segunda-feira, 21 de setembro de 2020

Existem pessoas que merecem um cancelamento?

 

Uma das modinhas que tomou conta desse estranho ano de 2020 é a moda do cancelamento. Trata-se de um estranho fenômeno que só poderia ocorrer mesmo nesses tempos de internet.
 
Configura-se da seguinte forma - uma determina pessoa pública fala algo constrangedor. As pessoas, vigilantes, começam a questionar sua afirmação e a pessoa decide ou ficar calada, ou tentar arrumar o estrago (causando ainda maior dano em sua imagem pública). A partir daí, o público inicia uma campanha para o bloqueio dessa determinada pessoa em todas as mídias sociais. Trata-se de uma espécie de silenciamento radical da pessoa ou seu assassinato naquele ambiente. 

Muito parecido com o que ocorre na série Black Mirror, no episódio chamado Odiados pela Nação. A diferença é que o assassinato virtual na série torna-se real por conta da habilidade de um gênio da computação. No Brasil, a prática (não se trata de uma cultura como defendem alguns analistas) do cancelamento gera tão somente impactos na conta bancária dessas pessoas. E não é para menos - em sua maioria, as pessoas que são atacadas pelo cancelamento, são indivíduos que tornaram as mídias sociais o seu principal ganha pão e, dessa forma, o rendimento das mesmas cai substancialmente e de maneira rápida. 

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As mídias sociais, dessa forma, tornam-se um imenso labor jurídico em que as pessoas não possuem a capacidade de se defenderem prontamente, pois, o cancelamento é uma atitude punitiva e vingativa em essência. Prato cheio para se tornar uma nova arma de uma ala conservadora brasileira que é muito hábil em seu relacionamento com as mídias sociais. A velocidade da reação a uma frase qualquer, indica o caráter vigilante que certos indivíduos se relacionam com as mídias sociais, fazendo com que o juri se torne rapidamente um pelotão de fuzilamento (cancelamento).

Apesar desse perigo, o que se tem visto ao longo do ano é que o cancelamento só afeta figuras públicas de baixa relevância - músicos pop, apresentadores de TV, youtubers dos mais variados temas, etc. A prática ainda não alcançou quem realmente causa impacto na sociedade - aqueles que mandam e desmandam no país. Como disse anteriormente, os políticos, principalmente os conservadores tomaram de assalto a opinião da classe média, como uma espécie de lente de aumento daquilo que Jessé de Souza já mostrara no indispensável A elite do atraso.

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No país em que uma velha do WhatsApp ou um garoto do Instagram possui maior relevância social do que o político que determina como será a sua vida, explica um tanto esse fenômeno estranho, mas o que me interessa interrogar é a minha própria escolha como título. Existem pessoas que merecem um cancelamento?

Pode parecer surpresa mas acredito que o cancelamento seja um sinal de alerta para inúmeras pessoas que vivem de suas imagens públicas e opiniões pouco fundamentadas. É claro que ainda faltam estudos e tempo de análise para que saibamos as extensões dos danos feitos àqueles que sofreram o tal cancelamento. Mas, ao que tudo indica, o cancelamento dura alguns meses e logo a pessoa já está matraqueando normalmente em suas mídias sociais e sendo ouvida pelos mesmos que uma vez bloquearam a dita cuja.

Pensemos, porém, será que dá pra aplicar algo análogo no universo das políticas públicas brasileiras? Na verdade, não. Apesar de várias pessoas merecerem isso e, até mesmo, se esforçarem para que isso aconteça, isso não acontece. A pessoa entra numa incrível redoma antigravitacional (ao contrário daquela que o Vegeta em DBZ usava para treinar e se equiparar a Goku) e cai pra cima. Sai do governo recebendo mais e fazendo constantes aparições públicas.

Duvida? Então, vamos ao exemplo prático da coisa.

Chamemos nossa pessoa picareta de Dritt Siah, certo? Dritt Siah é formada em Administração Pública pela FGV (um órgão particular) nos idos da década de 1970. Depois disso, fez mestrado em economia aplicada à administração nos anos 1980 e doutorado em Administração pública, tudo na FGV. Ou seja, Dritt Siah é prata da casa.  Porém, na base nacional de currículos não consta o doutorado em Administração pública. Apesar do fato estranho, Dritt Siah é uma pessoa muito rodada nos bastidores da administração pública.

Dritt Siah foi ministra no governo FHC, foi secretária de cultura do governo Alckmin e foi Secretária de Educação na Cidade do Rio de Janeiro. Essa pessoa, apesar de não saber nada de Educação ou de problemas pedagógicos no Rio de Janeiro, sabia muito sobre como manipular um outdoor ou uma página de revista de classe média, vejamos:

Essa pessoa pensa a educação pública como uma fábrica... Uma fábrica de quê? Não se fabrica alunos, não há qualquer teoria pedagógica que chegue a tanto, mas ela tinha uma linha pedagógica que levava algo em conta - a padronização. A primeira ideia foi a criação dos Cadernos Pedagógicos. Os Cadernos unificam tudo aquilo que o aluno deveria saber dentro do que seria cobrado em provas como Prova Brasil e Prova Rio. Ou seja, não se leva em conta a necessidade dos alunos, mas a avaliação do órgão que libera as verbas para as escolas.

Essa pessoa não deseja ter cidadãos porque o cidadão percebe, logo cedo, que deve manter uma sadia desconfiança com relação a deputados e senadores que legislam em causa própria. Deve manter desconfiança com relação ao executivo e suas propostas de assassínio em massa da população ao invés de resolver o problema da criminalidade em sua formação, por exemplo. E tudo isso passa pela Educação, Dritt Siah sabe muito bem que conhecimento, gera questionamento e questionamento é algo nocivo ao governo. Então, para proteger o interesse do governante, Dritt Siah propõe os cadernos pedagógicos que nada mais são do que apostilas que abordam de maneira simples o mínimo indispensável para que os alunos façam as provas.

A melhor análise dessa campanha mostra a rápida reação da classe média que estabeleceu logo o absurdo de se transformar um ser humano em mero produto fabril. Mas as medidas foram implementadas do mesmo jeito. Os cadernos pedagógicos criados na gestão anterior se tornaram uma realidade tão presente nas Escolas Municipais não são mais cadernos, mas livros semestrais que os alunos devem carregar como se fosse sua própria Bíblia. Novamente, os cadernos não mudaram seus conteúdos - são precisamente o mínimo que você precisa saber para se tornar o idiota conservador e pobre que você é. Essa é a intenção e o objetivo desse programa pedagógico.

Esta pessoa, responsável por mais um golpe na nova geração, deveria ser cancelada, correto? Não foi isso o que aconteceu. Após 8 anos "revigorando" os planos de Educação da Cidade Maravilhosa (para se fazer rachadinhas e conseguir propinas), essa pessoa voltou ao ninho e, do ninho, virou consultora pedagógica de TODAS AS EMISSORAS DE TV. E ela continua aproveitando as oportunidades - desde abril de 2020, ela advoga pelo retorno das aulas em Escolas Públicas (apesar de afirmar que as Privadas também deveriam retornar, mas deixa a decisão, nesse caso, para cada dono de escola). Ela utiliza diversos argumentos, de saúde mental a economia, mas fica claro o que ela realmente não sabe - PEDAGOGIA e evolução do aprendizado dos alunos. 

Essa pessoa merece um cancelamento?
 

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