sábado, 26 de junho de 2021

Cordialidade em Clèves?

 Escrito originalmente dia 25/04/2006

As teorias sobre a sociedade brasileira do final do século XIX possuem um ponto em comum. Tanto Raízes do Brasil quanto Ordem e Progresso e  Casa Grande & Senzala apresentam a cordialidade como um dado estrutural daquela realidade em formação. Por sorte, meu orientador (leia-se doktor father em alemão) é um especialista no tema. Por isso, sinto-me à vontade para falar de tal assunto nesse espaço virtual. 

A cordialidade seria o predomínio das relações humanas mais simples e diretas, rejeitando todo e qualquer tipo de ritualização do comportamento. Assim, o "homem-cordial" é o resultado de uma cultura personalista e patrimonialista que nos é muito própria.

O grande problema da isenção dos rituais de comportamento é a perda da privacidade dos sentimentos e relações próprias do indivíduo, comumente conhecida como subjetividade. Em qualquer relação social, somos aparentemente colocados em pequenas relações familiares - nos colocamos como irmãos, primos, filhos, pais e mães em convívios os quais deveríamos ser, no mínimo, profissionais.

Comentário à parte: em mesmo sofro da questão cordial, tenho a mania de chamar qualquer conhecido de "amigo", como se minha subjetividade estivesse exposta a qualquer pessoa que trave um dedo de prosa comigo. Comentário à parte 2: a partir do término desse texto que ora apresento, um processo curioso se formou - passei a ser mais crítico quanto ao problema da cordialidade e mais criterioso com quem deixo se aproximar de minha intimidade. Ou seja, hoje, acho que o problema inicial que admito ter está mais ameno, mas como se trata de algo cultural, não é possível afirmar que se trata de algo plenamente resolvido.



Voltando ao assunto, os rituais nos servem como proteção de nossa subjetividade frente à exposição pública. Porém, parece que nós, brasileiros, preferimos o "pequeno" ônus de misturar o público e o privado em prol de ganhos inter-relacionais. Um exemplo rápido, Caetano Veloso adora citar os outros (Djavan, Roberto Carlos, Leonardo DiCaprio, etc.), mas os cita por gosto e por direcionamento estético. Gosto pelo cabelo, gosto pelo jeito andrógino, gosto pelo jeito sexy, mas nunca sendo um reconhecimento pela competência ou mesmo pelo talento que essas pessoas possam vir a demonstrar... Ou seja, trata-se  de um tipo de toma-lá-dá-cá, pois, posteriormente vemos os mesmos tecendo comentários vazios ao agradecer a "homenagem". E isso teve efeito - devemos lembrar que, há poucos anos atrás, Caetano Veloso sumira do circuito midiático, sendo resgatado por alguns de seus homenageados. 

Um fato deveras interessante é o fenômeno da conveniência relacionada às relações cordiais. Um favor é feito e logo se espera a devolução desse favor. Uma espécie de promissória de foro íntimo. Relações de amizade são extremamente confusas em meio às aspirações profissionais quando colocadas nesse cenário, pois passa-se a trabalhar com declarações subjetivas como uma moeda de troca. Não importa o que é dito, mas a intenção e a situação em que se coloca tal fala. A amizades profissionais, então, se transformam num mix de aspirações, desejos, anseios, preocupações com valores para se conseguir algo profissionalmente no futuro. 

Falta ainda um profundo estudo sobre a cordialidade como dado cultural do brasileiro. Talvez, história do romance no Brasil pode ser considerada um bom guia para o entendimento dessa forma de relacionamento interpessoal que possui defeitos (ver Buarque de Hollanda) e qualidades (ver Freyre).

De minha parte, ainda fico com as interpretações das Raízes do Brasil, tudo cheira a mesquinharia, podridão, crueldade e vilania.


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