sábado, 8 de abril de 2023

Sobre aquilo que forma o brasileiro

O Brasil é um país que deveria servir para os mais altos estudos filosóficos e sociais. 

Não creio que seja apropriado aos intelectuais do país tentar entender todo o emaranhado de problemas e conceitos que regem o nosso país, mas, em simultâneo, temos condições de, aqui e ali, contribuir para que a Inteligência humana possa adentrar o problema geral do que seja ser brasileiro.

Se você me acompanha, já percebeu que tenho tentado contribuir para essa reflexão de alguma forma, mas não tenho a erudição de um Antonio Cândido e nem a pretensão de Jessé de Souza - ambos importantes para o entendimento do brasileiro em seus trabalhos, mas que, por diversos momentos, tendem a ver algo que não nos é possível observar.

Uma possibilidade, por outro lado, que eu não tenho visto nas observações dos eminentes entendedores do brasileiro é como certas noções se tornaram praticamente conceitos filosóficos e éticos em nosso país. Esquecem-se de falar de como o capataz é uma figura essencial para se entender a classe média. Jessé de Sousa, por exemplo, é cirúrgico ao perceber que as relações sociais no país se iniciaram com a ampliação do escopo escravocrata, estabelecendo assim dois polos distintos - os ricos e a ralé, mas ele se esquece que há uma classe ambígua que não está nem lá, nem cá. 
 
 
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A classe média brasileira também se encontra no registro histórico, no meio da escravidão, em plena expansão da Colônia Brasil. Gilberto Freye era fascinado por essa figura, mas não realizou a ponte entre lá e cá. A ponte está no próprio Jessé de Sousa, mas não a deixa clara. Talvez, eu tente esse movimento em algum momento, mas gostaria de inserir algumas noções para entendermos o que anda acontecendo por aqui.

A maioria dos Bolsonaristas estrangeiros (brasileiros que votaram no Anti-Cristo Tupiniquim e que o defendem) podem ser resumidos pelo afã nervoso de uma classe média do início do século XX - preconceituosa, discriminatória e moralista de ocasião (não explicarei o termo no momento, mas é possível inferir algo dos meus textos anteriores). Ainda mais, desgostosa por deixar o país em algum momento e com saudades de um Brasil que não mais existe mais. Uma nação que eles consideram clara em seus códigos morais e suas qualidades. 

A alegoria imaginária é feita com a Ditadura Militar brasileira, um período em que a distinção entre classes era mais clara porque as distâncias entre as mesmas era maior. Os pobres beiravam o miserável, os ricos eram distantes tanto em termos de capital quanto em termos de ideologia e formação. A classe média era o símbolo máximo da mediocridade. Sim, caro leitor, mediocridade, não há termo melhor para definir essa classe que somente tentava sobreviver e manter seus privilégios a todo custo. Porém, de onde viria, historicamente falando, essa classe explorada e, em simultâneo, privilegiada?

A resposta está num ponto ainda anterior na história. A primeira classe média verdadeiramente criada no Brasil foram os capatazes. Desunidos porque viviam isolados a serviço dos senhores. Próximos a eles porque deviam lhe prestar contas. 

Era uma classe formada por pessoas cruéis com os escravos porque estes eram vistos como menores. E, pelos serviços prestados, recebiam um ou outro privilégio, migalhas e esmolas atiradas pelos senhores, mas que garantiam alguma distinção.
 
Eis a gênese da classe média - cruel, discriminatória e completamente convicta de que o esquema social iria se manter caso continuassem com o bom trabalho. Bem, a escravidão terminou e os capatazes se tornaram, de certa forma, os mercenários e matadores por um tempo. Migrando para lá e para cá, estabelecendo-se nas cidades quando perceberam a oportunidade - as guerras promovidas pelo Império em todo o território nacional. É claro que muitos dos brancos que tinham menos renda apoiaram os capatazes e não porque os viam como iguais, mas porque precisavam de sua força para manter-se. 
 
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Uma peculiaridade da história do Brasil é que não tivemos a formação de burgos,ou seja, não houve o aparecimento de uma classe que se tornou algo mais. Passamos por um processo religioso-imperial de política para uma república militar numa piscadela temporal. Isso significa dizer o seguinte - tivemos, por um breve período uma estruturação social estanque na teoria e passamos para uma estruturação que não tinha mais uma disputa clara entre classes, simplesmente porque as classes sociais, num primeiro momento, estavam ligadas às instituições que organizavam esse mesmo Estado.

Seria justo, então, pensarmos que o longo processo de formação das disputas sócio-ideológicas que temos hoje são fraturadas em sua origem que não se deu por um processo, mas por uma ruptura histórica? É essa a hipótese que se mostra, mas que ainda não foi analisada.  
 
A ruptura de 1889 que fratura diversos processos sociais que estavam em seu processo inicial (por exemplo, a abolição da escravidão em 1822) quebra a teia social (Bourdieu) conforme vista por alguns teóricos. Temos, então, algumas análises que apontam para a manutenção de estruturas que existem desde a época do império. Porém, cabe ressaltar que não se trata da mesma estrutura. A raiz está ali, mas o caule entortou. 

Mas quem sou eu para desafiar os teóricos sociais de ontem e hoje?



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