sábado, 31 de julho de 2021

Um vislumbre

 Originalmente escrito em 17/05/2006


"E Deus fez a palavra". Não me lembro se é assim que está na Bíblia, mas, de uma coisa estou certo - deus não fez o significado. Hoje, mais do que na semana passada, percebo que o maior erro divino foi supor que saberíamos manter o significado da Palavra dada por ele. 

Esse problema veio de maneira mais clara para o autor desse texto por conta de algo deveras trivial. Estava numa banca de jornal, somente passando os olhos nas manchetes dos noticiários, capas de revistas e álbuns de figurinhas. Repentinamente, surge um senhor e pede ao jornaleiro: "Dez pacotes de Rebelde, por favor". Sua filha sorria ao receber aquele maço de figurinhas com suas tão preciosas personagens. 

A partir desse momento, iniciei uma busca por tudo aquilo que fizesse alguma referência aos "meninos de henna" (apelido dado por mim, nesse momento). Qual não foi o meu susto ao ver espalhado por toda a banca referências ao mega-sucesso de um único ano?! O susto, contudo, não era por conta da invasão de algo que não é brasileiro, mas pleo motivo mesmo da utilização da palavra "rebelde".

Quem quer um filho rebelde? Aparentemente, toda a classe média da cidade do Rio de Janeiro, no mínimo. Queremos filhos que seduzam seus professores com o simples intuito de manter relações sexuais com ele para que seja possível contar vantagem aos colegas de turma?! Isso se deve ao fato da simples aceitação de um programa que investe na comprometedora falta de qualquer freio por parte da juventude.

É claro que a rebeldia é um dado cultural já visto como natural na relação de pais e filhos - a mitologia e a literatura comprovam que se trata de um tema recorrente. Porém, nesse caso, trata-se de uma conformidade cultural. Herdamos cinco mil anos de ficção em que pais e filhos disputam o domínio da tribo, do reino, da família. 

O fenômeno RBD pode servir de estopim para algo diverso - um desvio dessa relação binária de poder para outra em que envolveria os professores (pais institucionais no Brasil), os alunos e os colegas de classe. Aqui, a diferença, é clara. Não há disputa por territórios, mas uma competição de egos mediada pelo achismo da terceira parte da relação. Sinceramente, não sei precisar o quanto RBD é agressivo em termos éticos e morais... Tampouco as consequências disso nos próximos 10, 15 anos.

Em realidade, a única coisa que posso afirmar é o fato de ser possível fazer uma análise intelectual de qualquer fenômeno cultural. Até mesmo o RBD... Será que veremos isso de alguma forma no futuro?

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