sábado, 25 de setembro de 2021

O espetáculo da imagem especular

 Escrito originalmente em 24/07/2006.

O homem perde poder quando é contagiado pelo sentimento de piedade.
F. Nietzsche

Lágrimas não são argumentos.
M. de Assis.

Estou convencido de que Aristóteles cometeu um erro em sua análise da arte. Essa frase não terio o menor efeito caso não houvesse uma repetição desse mesmo erro por parte de seus seguidores diretos e indiretos. Nietzsche, Foucault, Baudrillard, Flusser e tantos outros seguiram os passos do pensador grego sobre a temática dos simulacros. 

A abordagem dos simulacros - e da simulação - tornou-se um problema através das eras. Gradativamente, aquilo que havia se tornado um fenômeno na arte acabou prevalecendo como atitude na vida social. A transmigração, logicamente, deu-se no teatro. Logo após, vemos que a expressão "atores sociais" (definitivamente cristalizada por P. Bordieu) instaura a problemática do simulacro no cotidiano vulgar da humanidade. Nietzsche e Foucault fazem o mesmo, mas em áreas distintas. O primeiro coloca a questão na religião e descobre a morte de Deus. O segundo aborda isso nos discursos ficcionais e vê uma espécie de reificação na linguagem.

A cartada final, todavia, é dada por Baudrillard. No livro Simulacros e Simulação, que aparece no primeiro filme das irmãs Wachowski (Matrix), o autor analisa os simulacros como dado constituinte da formação do sujeito. Ele, por meio de um discurso reacionário, consegue colocar a teoria dos simulacros até mesmo em episódios traumáticos, como o 11/09.

Vocês agora, desconfortavelmente sentados numa cadeira que prometia conforto (um simulacro, tá vendo?), devem estar se perguntando: O que isso tem de ruim?

Tá bom, tá bom... Lembrem-se - vocês pediram...

Estabelecido o fato de que a simulação é um processo de similitude (Aristóteles), baseado num ponto de referência (Flusser) real ou não, temos que a arte é o local privilegiado para o fenômeno (Aristóteles e Foucault). O grande problema encontra-se, então, a partir do século XVII com a soberania do livro como objeto central na cultura (Schnapp). Assim, simulação e realidade atingem um patamar de equilíbrio (Foucault), chegando até mesmo ao discurso religioso (Nietzsche). Da religião, vamos direto ao discurso popular e, deste, à vida cotidiana (Baudrillard). O século XX, principalmente depois da II Grande Guerra, assiste aos homens como simulacros do próprio homem. 

Entrando no século XXI, vemos no nascedouro do simulacro do simulacro. Ideia interessante, não? Como objeto de estudo, talvez. O grande problema é que, se nos colocamos como "espelho dos outros" (frase que ouvimos várias vezes), assumimos a função vulgar de simulacro de outrem. assim, a pessoa que escolhe este caminho não pode ser considerados em sujeito, mas uma espécie de sujeição a uma interpretação de subjetividade. Assim, o "eu" - imagem que criamos a partir dos arquétipos de nossa cultura - não existe.

Faz-se em realidade uma colcha de retalhos de interpretações de caracteres.

É lógico que se torna impossível depreender de tal pessoa caráter, amizade ou posturas consideradas positivas (Voltaire), pois, paradoxalmente, essas pessoas estão - em seu íntimo - ligadas ao desejo de ser o outro, de ter o outro, de dar ao outro e por aí vai...

Até o momento, referi-me às pessoas que apresentam alguma noção do processo de simulação em que se encontram (por isso, a risível e impossível frase eu sou um reflexo de você). As pessoas que são ignorantes quanto ao seu próprio procedimento podem ser reconhecidas por uma simples frase: eu te amo, mas não se trata de dispêndio subjetivo que conhecemos desde o século XVII. Trata-se de uma acepção criada nas últimas décadas do século XX em especial na música pop estadunidense e amplamente difundida em todo o local que possua uma conexão com acesso a mp3.

O irônico é que essa categoria deteriorada do amor tem pai e mãe na música pop. Caso queiramos ver todo o esplendor dessa acepção, basta que pensemos em Michael Jackson e Madona. Sendo sincero, eu não saberia definir quem é o papai e a mamãe do fenômeno. E isso pouco importa.

Mero simulacro do amor cristão, as pessoas que amam possuem duas características que as definem: amam indiscriminadamente tal qual uma criança ama sua bola ou boneca e, por isso, possuem um comportamento de criança - de criança burra e egocêntrica, sejamos francos.

A fórmula, pois, é simples: simulacro de amor somado ao simulacro de criança gera o simulacro do simulacro. O amor entendido como simulacro não passa de inveja (Baudrillard), o comportamento infantilizado gera na pessoa um descomprometimento com suas posturas (Foucault) e sua justificativa e completamente inventada, mera ficção seguida do consolatório eu amo você (Eco).

Temos, portanto, duas situações para o aparecimento do espelho - uma consciente de suas ações (sem nenhum caráter); outra inconsciente do estado especular, mas não apresentando nenhum escrúpulo em suas ações (ou seja, sem caráter também).

Conforme Dr. John Edwards, esse comportamento esconde uma doença, mas eu prefiro as célebres frases de minha amada mãe, D. Maria da Graça. Nesse caso, escolho duas verdades filosóficas que só poderiam surgir de uma nordestina: Isso é falta de vergonha na cara! Essa gente acaba tomando ferro e diz que é uma maravilha!



Nenhum comentário:

Postar um comentário